MÁRCIA KAZUME PEREIRA SATO
(orientadora)
RESUMO: Este artigo versa sobre a Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, ferramenta indispensável ao combate à prática de atos ilícitos na gestão pública. Necessário se faz conceituar, sob o ponto de vista doutrinário, o que vem a ser precisamente “improbidade administrativa”. Indubitável que há divergências quanto ao entendimento literário e jurisprudencial, que merecem apreciação. Na busca de desintrincar conflitos, recentemente, em 25 de outubro de 2021, foi sancionada pelo atual Presidente da República a Lei nº 12.230, que realizou alterações significativas e que terão grande impacto na luta pela melhoria da atuação de gestores na administração pública. Os pontos principais dessas alterações serão abordados no presente artigo com o objetivo de analisar sua eficácia no auxílio ao controle da atuação dos agentes públicos no exercício da gestão, bem como sua responsabilização no caso de eventuais equívocos. A metodologia aplicada foi a análise bibliográfica de doutrinas, artigos científicos e as legislações relacionadas ao tema.
Palavras chaves: Agente público; Lei de Improbidade Administrativa; Gestão pública; Atos ilícitos; Sanções.
ABSTRACT: This article deals with the Administrative Impropriety Law, Law nº 8429, of June 2, 1992, an indispensable tool for combating the practice of illegal acts in public administration. It is necessary to conceptualize, from a doctrinal point of view, what is precisely “administrative improbity”. Undoubtedly, there are divergences regarding the literary and jurisprudential understanding, which deserve consideration. In an attempt to disentangle conflicts, recently, on October 25, 2021, the current President of the Republic approved Law nº 12,230, which made significant changes and will have a great impact on the struggle to improve the performance of managers in public administration. The main points of these changes will be addressed in this article in order to analyze their effectiveness in helping to control the performance of public agents in the exercise of management, as well as their accountability in the event of any misunderstandings. The methodology applied was the biographical analysis of doctrines, scientific articles and legislation related to the subject.
Keywords: Public agent; Administrative Misconduct Law; Public administration; Unlawful acts; INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo geral apresentar e conceituar o instituto da improbidade administrativa. De acordo com o dicionário, improbidade significa “sem honestidade” ou “falta de moralidade”. Logo, improbidade administrativa é todo ato praticado de forma imoral ou desonesta que de alguma forma prejudica a administração pública.
A Lei de Improbidade Administrativa define as condutas consideradas inadequadas praticadas por agentes públicos ou terceiros envolvidos, e que causem danos à administração pública. Essas condutas podem se manifestar de três formas: atos que causem enriquecimento ilícito, atos que causem prejuízo ao erário, e atos que atentem contra os princípios da administração pública.
O §4°, do artigo 37, da Constituição Federal elenca as sanções aplicáveis aos atos de improbidade, quais sejam: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens, e o ressarcimento ao erário, de acordo com o previsto em lei, e sem prejuízo de ação penal caso esta seja cabível ao caso. O mencionado artigo consagra a diferença dos conceitos de improbidade administrativa e de crime de responsabilidade, vez que tais âmbitos punitivos são autônomos.
Na regulamentação eleitoral, a Lei Complementar n° 135 de 2010 aponta a improbidade como uma das práticas que tornam inelegível um candidato que praticou qualquer das condutas relacionadas, já que a conhecida “Lei da Ficha Limpa” estabelece critérios que impedem uma candidatura ao pleito.
O empossamento e o efetivo exercício do agente público estão condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem seu patrimônio, sendo exigida a atualização anual desta, bem como na data de saída do cargo, emprego, função ou mandato. Caso o agente se recuse a prestar a declaração, ou a preste falsa, será punido com pena de demissão a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Atualmente, para a incidência da Lei de Improbidade Administrativa a conduta deve ser dolosa. Esse é um dos pontos discutidos na Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, a mudança da punição apenas para quem agir com dolo, ou seja, com intenção de lesar a administração pública, deixando de punir o agente que age com imprudência, negligência ou imperícia. Outras mudanças discutidas são limites de prazos para ressarcimento aos cofres públicos, competência, prazo máximo de investigação, fim do tempo mínimo de punição com perda de direitos políticos.
A princípio, no primeiro capítulo faz-se necessário conceituar improbidade administrativa e sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro. É evidente que o agente público deveria antepor à administração pública, representando-a e promovendo o progresso da nação. Não obstante, infortunadamente observa-se alguns que se desvirtuam e acabam descumprindo o que se encontra respaldado na Lei de Improbidade Administrativa.
No segundo capítulo são abordados os atos de improbidade, em suas três formas: enriquecimento ilícito do agente público, prejuízo efetivo ao erário e, ainda, atos que atentem contra os princípios da administração pública.
Por sua vez, o terceiro capítulo refere-se às mudanças recepcionadas pela Lei nº 14.230/21, que se fez necessária para atender a aprimoração de legislações, como o Código de Processo Civil, a Lei Anticorrupção e ainda a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Pode-se, brevemente, descrever que a principal alteração diz respeito à comprovação da vontade consciente do agente público para que ocorra a caracterização do ato ímprobo. Dessa forma, compreende-se que desde então, àqueles atos praticados no exercício da função sem a comprovação do dolo não acarretará qualquer responsabilidade.
Para a elaboração do presente trabalho, fez-se necessário a utilização da metodologia de leitura e análise da obra de doutrinadores e sobretudo da legislação abordada. Significativo ressaltar a realização de pesquisa webgráfica, haja vista as contemporâneas modificações.
1. A IMPORTÂNCIA DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Preliminarmente, é necessário citar que a probidade administrativa diz respeito à administração voltada para ações que resguardem o erário. Dessa maneira, concebe-se que os agentes públicos deveriam governar com exímia probidade administrativa, ou seja, exercendo suas funções de forma íntegra e honesta, para preservar o bem comum e promovendo o desenvolvimento da sociedade e do País.
De acordo com o entendimento de Meirelles (2000, p. 91), “o dever do probo está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público, como elemento necessário à legitimidade de seus atos”.
O integrante da gestão pública, deve sempre priorizar a busca da moral, da ética, do bom senso, com acuidade sob as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto.
Acerca da moralidade, pode-se dizer que essa é a congregação de costumes, deveres e modo de operar dos seres humanos junto aos seus semelhantes. Já no que tange a probidade, essa consiste em honradez, integridade de caráter, honestidade.
Embrenhando ao foco deste trabalho, verifica-se que a improbidade administrativa concerne com a desonestidade ou deslealdade do administrador público, podendo também ser praticada por aquele que não é servidor e que vem a infringir a moralidade pública, bem como qualquer de seus princípios.
1.1 Conceito de Improbidade Administrativa
Observa-se que, segundo o dicionário De Plácido e Silva (2014, p. 1093), improbidade vem do latim improbitas, ou seja, má qualidade, imoralidade e malícia. No âmbito jurídico correlaciona-se à desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole e mau caráter. Desta maneira, improbidade vem a ser a qualidade do homem que não procede diligentemente, por não ser honesto; que age indignamente, por não ter caráter e que não atua com decência, por ser amoral. Depreende-se que improbidade é a qualidade do ímprobo.
Caracteriza-se como ato de improbidade, condutas que colidem com a boa-fé, lealdade, honestidade, que venham a favorecer o enriquecimento ilícito, seja nos desvios de verbas, na sua aplicação ilegal, como por exemplo as exigências de propinas ou quesitos que afrontam todo um regimento constitucional, podendo ser de maneira expressa ou implícita, orientando e controlando condutas consideradas inconstitucionais no cargo de função pública, dentro ou fora dela.
Segundo o entendimento de Martins Junior (2001, p. 13), improbidade administrativa:
Significa servir-se da função publica para angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das atividades na Administração Pública, menosprezando os valores do cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confinados à sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial. A partir desse comportamento, desejado ou fruto de incúria,
desprezo, falta de preocupação ou cuidado, revelam-se a nulidade do ato por infringência aos princípios e regras, explícitos ou implícitos, de boa administração e o desvio ético do agente publico e do beneficiário ou participe, demonstrando a inabilitação moral do primeiro para função publica.
No que se relaciona a probidade exigida, Caetano (1970, p. 684), elenca:
O funcionário deve servir à administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções sempre no intuito de realizar os interesse s públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.
Certo de que a doutrina possui diversos apontamentos sobre a percepção do conceito, assim, examina que para Pazzaglini Filho (1996, p. 35):
(...) a improbidade administrativa é um termo técnico para designar corrupção administrativa, adquirindo vantagens indevidas, exercendo funções nocivas e fornecendo empregos públicos a parentes, utilizando para isso o tráfico de influência nas esferas da Administração Pública, favorecendo poucos em detrimento dos interesses da sociedade, concedendo favores e privilégios ilícitos.
A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, com suas distintas atualizações, dispõe que os atos podem ser observados em três formas – que serão abordados no segundo capítulo –, sendo esses o ato de improbidade de enriquecimento ilícito do agente público, atos que causem prejuízo efetivo ao erário e ainda atos que atentem contra os princípios da administração pública, sendo cabível a aplicação de sanções políticas, civis e administrativas.
A ilegalidade e a improbidade não são situações ou conceitos que se mesclam, vez que cada uma possui seu significado. Assim, o que se pode elencar é que a improbidade é quando ocorre uma ilegalidade qualificada com o intuito nocivo do agente, em que esse atua com desonestidade, malícia ou dolo. Dessa maneira, nem todas as vezes que o agente praticar um ato ilegal, ele terá cometido improbidade administrativa.
Desde o Período Imperial, fez-se imprescindível a criação de legislação que delimitasse e garantisse a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.
Em 1824 foi elaborada a Constituição Política do Império do Brasil. Nesta, em seu artigo 133, constata-se que os ministros do Estado seriam responsáveis por traição, por peita, suborno, ou concussão, por abuso de poder, pela falta de observância da lei pelo que obrarem contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos e ainda por qualquer dissipação dos bens públicos.
Castro (2000, p. 14) clarifica:
Que a primeira manifestação constitucional sobre a probidade administrativa encontra-se na Constituição Politica do Império, de 25.03.1824. O art. 133 fazia referencia é peita, ao suborno, á concussão e a dissipação de bens públicos pelos Ministros de Estado. No entanto, o texto constitucional de 1824 não fazia menção às locuções probidade administrativa ou improbidade administrativa, como delito politico, o que se constata pela leitura do art. 133, II, VI, daquela carta. Essas expressões passaram a ser empregadas apenas com o advento da república.
Já para Fagundes (1982, p. 16), havia a necessidade de resguardar a questão de conduta moral:
(...) a administração pública fosse poupada a escândalos, não somente a grandeza moral dos estadistas que fizeram a independência e consolidaram o Estado brasileiro, como a presença austera do segundo Imperador, a impor, mediante atos oficiais, comportamento probo na gestão da coisa pública, e a oferecer exemplo pessoal de comedimento nas próprias despesas da Coroa.
Certo que com a constante evolução social, ao longo dos anos, fizeram-se necessárias atualizações junto à legislação para que fosse possível manter a ordem.
A Constituição Federal dispõe em seu texto acerca da improbidade administrativa. O artigo 15 trata da perda ou suspensão dos direitos políticos de forma definitiva, nos casos de cancelamento de naturalização por sentença transitada em julgado, incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII e improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Assim sendo, cabe análise do texto artigo 37, conforme a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, que precisa sobre o tema abordado:
Art. 37. A administração publica direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecera aos princípios da legalidade impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte:
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, à indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
2.FORMAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SUAS SANÇÕES
Pode-se enunciar que se depara com a incidência da improbidade administrativa em situações em que em que a gestão pública converte-se em enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário e atenta contra os princípios da administração pública.
No que ecoa a respeito da probidade administrativa, percebe-se que essa possui relação indivisível com a administração pública, que deve ser desempenhada honestamente, buscando a proteção da coisa pública. Nesse sentido, a Constituição Federal previu sanções em caso de sua inobservância, sendo essas relacionadas a condições de elegibilidade e a crimes de responsabilidade do Presidente da República.
Primeiramente, é importante discorrer acerca da forma de improbidade que é o enriquecimento ilícito. Segundo entendimento, constata-se que essa é considerada a conduta mais gravosa e com maior índice de reprovabilidade, estando diretamente relacionada com a má gestão e desprimorosa conduta do agente.
O artigo 9º, da Lei nº 8.429/92, elenca sua tipificação e requisitos:
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
A função do agente público deve ser desempenhada, indubitavelmente, a serviço da comunidade. No entanto, infelizmente, verificamos em nossa sociedade casos lastimáveis em que o colaborador vem a infringir a legislação e ainda questões financeiras, para ampliar seu patrimônio particular. Dessa forma, esse se encontra devidamente caracterizado na incidência do artigo 9º, haja vista que deixa de exercer sua função, buscando atender unicamente seus próprios interesses, que darão vantagens significantes.
Evidente que para essa postura o agente se vale de sua posição privilegiada que ocupa na esfera pública.
Já era de entendimento doutrinário, antes mesmo das atualizações trazidas pela Lei nº 14.230/21, que para a realização do ato de improbidade administrativa, no que tange ao enriquecimento ilícito do agente ou de terceiro, é indispensável que fique devidamente demonstrado o elemento subjetivo, qual seja, o dolo do agente para a prática do ato ímprobo e em consequência a obtenção da vantagem ilícita.
Neves e Oliveira (2014, p. 80) exprimem que a mera configuração da culpa não é suficiente para que se dê a tipificação do ato ímprobo de acordo com o disposto no artigo 9º, de maneira que há a exigência do dolo do agente, ou seja, a externalização da vontade em obter vantagem que sabe ser indevida.
Havendo a comprovação de que o agente cometeu o ato de improbidade administrativa, devidamente descrito no artigo 9º, da Lei nº 8.429/92, enquadrando-se em uma ou mais de suas modalidades, estará sujeito às sanções previstas no artigo 12, do mesmo dispositivo legal. Nessa situação, poderão ser aplicadas, de forma isolada ou cumulativamente, as seguintes sanções: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano, quando houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
É necessário mencionar que quando delimitado o enriquecimento ilícito, haverá a perda dos bens ou valores acrescidos ao patrimônio do funcionário público que rompeu com o compromisso de suas funções e praticou o ato ímprobo. Poderá ainda ocorrer a indisponibilidade dos bens, como forma de recomposição pela malversação perpetrada.
Transpondo-se para a proteção e disposição trazida pelo artigo 10, da Lei nº 8.429/92, verifica-se àqueles atos que venham a causar prejuízo ao erário. Vejamos:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
Cabe mencionar que o artigo 10 foi recentemente alterado pela Lei nº 14.230/21 e que sua atual redação admite apenas a modalidade dolosa.
Ao refletir acerca do prejuízo ao erário, é substancial mencionar que o legislador focou-se na preservação do patrimônio público e não apenas em proteger o erário em si, com suas dotações e recursos, como todos os bens e valores que compõem o patrimônio público, estabelecendo que se dê, constantemente, a diligência exigida para a proteção ao patrimônio imaterial, como marcas, patentes, direitos autorais e criações tecnológicas.
À vista disso, haverá a configuração da conduta, qual seja o ato ímprobo, quando se der a circunstância de dano ao patrimônio público em sentido estrito.
Para estar diante da caracterização de improbidade administrativa que causa dano ao erário é prescindível o enriquecimento ilícito por parte do agente público ou de terceiro, sendo totalmente possível que haja prejuízo ao erário sem que o funcionário público tenha se beneficiado indevidamente.
Segundo entendimento de Neves e Oliveira (2014, p. 82), para os atos que causem prejuízos ao erário, podem ser aplicadas as seguintes sanções: ressarcimento integral do dano; perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos por cinco a oito anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
A partir da circunstância em que se verifique a improbidade, estando devidamente demonstrado o prejuízo ao erário, admite-se a aplicação das sanções de forma individual ou cumuladas, de maneira que controle a pequena parcela de poder que é outorgada aos agentes públicos em exercício da função e com o resultado de conservar os interesses da administração pública e da coletividade, possibilitando uma indisponibilidade de bens dos autores dos atos ímprobos, de forma a evitar que esses se desfaçam de seus bens e dificultem a execução do Estado, para que este consiga recuperar os detrimentos sofridos.
2.3 Princípios da Administração Pública
Para tratar dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, é preciso iniciar com a informação de que essa maculação é conhecida como ato de improbidade administrativa stricto sensu, haja vista que para sua caracterização não é necessária a existência de enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, sendo suficiente a violação a um princípio administrativo constitucional.
Plausível mencionar que sua caracterização é mais complexa do que as demais hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92. Ao deparar-se com o disposto no artigo 11, não há uma descrição exata do que venha a ser um ato de improbidade administrativa por violação ao princípio constitucional.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
Infere-se que o ato de improbidade administrativa mencionado se trata da conduta do funcionário público e do particular que atue conjuntamente, que resulte em dano a um dos princípios constitucionais administrativos, não se limitando aos princípios explícitos, mas atingindo também os princípios implícitos, acrescentando o elemento volitivo da má-fé.
Examina-se a legislação e observa-se que não há elementos concretos que tipifiquem o ato de improbidade administrativa em razão da violação a deveres como a honestidade e imparcialidade e princípios constitucionais.
Para Sundfeld (2017, p. 214) a previsão legal em comento trazida pela Lei de Improbidade Administrativa era tida, na época de sua sanção, como inócua, pois era muito vaga acerca do que seria considerado ilícito, já que trazia apenas a possibilidade de violação a deveres e princípios, razão pela qual não haveria como ser operacionalizada.
Percebe-se que o ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública é aquele em que o agente deixa de observar princípio constitucional administrativo, seja o da publicidade, legalidade ou moralidade. Nota-se que não há grande dificuldade na caracterização da violação ao princípio da legalidade, já que esta depende da inobservância da legislação. Todavia, em relação a outros princípios, como o da moralidade e o da razoabilidade, atenta-se ao fato de não haver perspicuidade quanto ao seu descumprimento.
Para a configuração da violação a um princípio constitucional, de maneira que se depare com a caracterização do ato de improbidade administrativa, será imprescindível a compreensão dada pelo responsável pela propositura da ação e da interpretação dada pelo julgador.
Conclui-se que não existe um conceito único acerca do que será configurado como violação a um princípio, vez que há brechas para várias interpretações, o que proporciona retornos distintos, diferentemente do que ocorre com a violação de uma norma, razão pela qual o entendimento adequado será resultado da interpretação escolhida por quem julgar o caso concreto.
3.AS ALTERAÇÕES CRIADAS PELA LEI Nº 14.230, DE 25 DE OUTUBRO DE 2021
A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, foi publicada no diário oficial de 26 de outubro de 2021, e alterou a antiga Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/92, entrando em vigor imediatamente, na data de sua publicação.
Com a vigência e atualização da Lei de Improbidade Administrativa, compreende-se que se deu considerável avanço para o direito administrativo sancionador, de maneira que, de agora em diante, a utilização indiscriminada da administração pública fica impossibilitada, para ocorrências que não sejam extremadas, haja vista que foi estabelecida uma ponderação mais abrangente sobre os casos, de maneira que se faz imprescindível o dolo direto, sendo exclusos os pequenos desregramentos, que não se caracterizam mais como ímprobo.
A recente atualização da Lei de Improbidade Administrativa limitou o poder persecutório estatal, conferindo mais garantias aos acusados, haja vista a notória mudança nos enunciados, deixando os tipos administrativos dos estatutos disciplinares indefinidos, o que exige do aplicador em questão maior atenção ao caso em tela dos ilícitos administrativos.
O que nota-se é que a alteração trouxe que condutas que não expressam infrações graves à ordem administrativa não devem ser classificadas como infração administrativa disciplinar, mas sim meras irregularidades.
É certo que para a correta aplicação da legislação e para que haja a possibilidade de impor sanções, primeiramente a lei precisa descrever fato infracional minuciosamente, bem como todas as circunstâncias e a devida classificação do ilícito.
Devido às transformações, a ação de improbidade administrativa deve observar os seguintes requisitos: individualização da conduta do réu; conjunto probatório mínimo que demonstre a ocorrência das hipóteses dos artigos 9º a 11 da Lei; demonstração de autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado.
Anteriormente à vigência da Lei nº 14.320/21, em atenção ao disposto no artigo 7º, só cabia indisponibilidade de bens nos atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito (artigo 9º) e que causam Prejuízo ao Erário (artigo 10º). Dessa forma, entende-se que não cabia a indisponibilidade de bens nos atos de improbidade que atentassem contra os princípios da administração pública (artigo 11). Não obstante, o STJ (AgRg no REsp 1311013/RO) já possuía posição diferente acerca do tema, a concluir que a medida cautelar de indisponibilidade dos bens também pode ser aplicada aos atos de improbidade administrativa que impliquem violação dos princípios da administração pública, mormente para assegurar o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, se houver, e ainda a multa civil prevista no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92.
O princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica, no caso da Lei nº 14.230/2021, pode ser aplicado ao campo administrativo e judicial, conjuntura no qual se incorporam atos ímprobos. Há de ser aplicada a retroatividade mais benéfica, de forma que novas leis que limitem a atividade repressora do Estado devem ter aplicação imediata, como retroagir aos casos em andamento.
Em se tratando de lei mais gravosa, como mostra a Lei nº 8.429/92, quando revogou a Lei nº 4.717/65, em se tratando de fatos anteriores à nova Lei, o Superior Tribunal de Justiça STJ negou a retroatividade da mesma.
Finalizando o presente estudo, conclui-se que no decorrer dos tempos ocorreram imponentes mudanças, seja na sociedade, seja na legislação brasileira vigente.
Na gestão pública atos ilícitos são recorrentes, de maneira que se faz indispensável à Lei de Improbidade Administrativa, visto que essa se mostra ferramenta imprescindível no combate a práticas espúrias na administração pública. Os dados, referente às condenações por atos de improbidade administrativa são preocupantes, vez que segundo o Conselho Nacional de Justiça, nos últimos dez anos se deram mais de dezoito mil sanções. O agente público punido por crime de responsabilidade também pode ser punido por improbidade administrativa.
Apesar de ilícitas, tais práticas não são, necessariamente, consideradas como crimes, já que para isso é preciso que exista legislação estabelecendo sua natureza penal. A improbidade administrativa possui natureza cível, não se podendo dizer que tenha cometido crime o agente que responde por tal conduta, embora esse esteja sujeito às sanções penais, civis e administrativas previstas em legislação específica independentemente das sanções cominadas por improbidade, de acordo com o disposto no artigo 12, da Lei nº 8.429/92.
Argumentos a favor da mudança defendem a necessidade das alterações em vista de abusos e injustiças cometidos pela Lei em face de gestores públicos os quais consideram a legislação atual um desafio para a administração pública. Entretanto, há justificativas contra as mudanças, que alegam a necessidade de responsabilização dos gestores por erros que causem prejuízo aos cofres públicos, já que não responsabilizar medidas equivocadas estimula a sensação de impunidade dos agentes públicos.
Por fim, nota-se que embora se façam necessárias atualizações, não só para que haja a adequação com outras legislações vigentes e com o entendimento dos Tribunais, é preciso cautela. O que se conclui é que as recentes mudanças podem ser extremamente prejudiciais ao desempenho do serviço público, acarretando o aumento da corrupção e dificultando o seu combate, ampliando consideravelmente a prática de violações que causem enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário.
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Bacharelado de Direito pela Universidade Brasil (campus - Fernandópolis)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Francisco Monteiro Machado de. Alterações da Lei de Improbidade Administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2022, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58627/alteraes-da-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 28 dez 2024.
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